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Os desafios estão na estrada
Valor dos fretes e falta de infraestrutura nas rodovias estão entre as principais queixas dos caminhoneiros
Pesquisa nacional foi desenvolvida pela CNT com 1.066 profissionais (Foto: Paulo Rossi - DP)
Eles têm, em média, 44 anos, trabalham 11 horas por dia e rodam quase dez mil quilômetros por mês. Essas e outras informações são parte de pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) sobre o perfil dos caminhoneiros brasileiros. Segundo a Associação Nacional dos Detrans, são mais de 60,7 milhões de profissionais do caminhão em todo o país, 4,3 milhões só no Rio Grande do Sul. O levantamento feito pela CNT ouviu 1.066 motoristas em todo o país e identificou as principais demandas da categoria, relacionadas basicamente ao aumento nos gastos com combustível e à falta de estrutura de descanso nas estradas.
A maioria (86,8%) reconheceu uma diminuição na demanda pelos serviços de transporte em 2015, associada sobretudo à crise econômica e ao alto custo do frete. Em média, a renda líquida mensal dos profissionais chega a R$ 3,9 mil, sendo que os gastos com combustível ultrapassam os R$ 6,4 mil e a manutenção do veículo consome outros R$ 1,9 mil a cada dois meses e meio, sem contar as despesas com alimentação. Frente às dificuldades enfrentadas hoje, profissionais mais antigos sugerem aos mais jovens que pensem bem antes de investir na profissão, caso do caminhoneiro catarinense Valmor Krause, 64.
Em 40 anos de estrada, ele já viu a categoria enfrentar muitos desafios, grande parte vinculada à má conservação das estradas brasileiras e à precariedade dos pontos de parada para descanso. No entanto, o que mais pesa na atualidade é o preço do combustível, responsável por absorver uma boa fatia dos ganhos de quem trabalha por conta e diminuir a margem de ganho das transportadoras. Ele cita como exemplo uma viagem do Rio Grande do Sul até a região Nordeste do país. No trajeto de quase quatro mil quilômetros, um caminhoneiro pode ganhar até R$ 15 mil, se tiver sorte, mas vai gastar no mínimo R$ 6 mil.
Nessa conta, além do abastecimento, pesam as tarifas de pedágio e a manutenção do veículo. “Na estrada a gente está sujeito a tudo. Desde um pneu que estoura até um assalto. Nem sempre vale a pena.” Segurança, aliás, é outro entrave apontado pelos caminhoneiros à profissão. Mais de 37,6% dos entrevistados temem assaltos e roubos, sendo que 9% já tiveram a carga roubada pelo menos uma vez nos últimos dois anos.
Rodar é preciso
Para garantir uma renda mínima e cobrir os gastos com o caminhão, a maioria dos caminhoneiros precisa rodar muito, buscando cargas e novos destinos em cada ponto da estrada. Por isso, além de trabalhar seis dias por semana, eles rodam em média dez mil quilômetros por mês, o equivalente a ir sete vezes de Pelotas a São Paulo. Nessa conta, sobra pouco espaço para a família e 32% dos entrevistados alegam ter o convívio familiar comprometido pela profissão. Durante muitos anos, essa foi a realidade enfrentada pelo pedro-osoriense Gilmar Soares Silveira, 55.
Ele criou as filhas - hoje adultas - trabalhando na estrada e precisou do apoio da esposa, a dona de casa Neiva Ávila Silveira, 49, para não sucumbir à saudade. “Se não fosse o apoio e a compreensão dela, eu não teria conseguido. Graças a Deus, minhas filhas estão criadas e formadas, mas não foi fácil.” Nos tempos em que fazia viagens mais longas - Gilmar chegou a viajar para a Argentina -, passava até 20 dias sem ir em casa, rotina comum para muitos profissionais.
Autônomo x empregado de frota
Dono do próprio caminhão, Gilmar Soares Silveira consegue ficar mais tempo sem viajar, pois tem autonomia para escolher os trabalhos que vai realizar e o que está disposto ou não a suportar. Essa, porém, não é a realidade enfrentada pela maioria dos caminhoneiros autônomos brasileiros que, em geral, demonstram mais dificuldades se comparados aos empregados de empresas de transporte. Pouco mais da metade (52,5%) dos motoristas autônomos possui dívidas, quase sempre relacionadas ao caminhão, contra 28% dos empregados de frota. No caso de quem trabalha por conta, os gastos com combustível e o valor do frete são o que mais pesa.
Gilmar teve o apoio da esposa Neiva para criar as filhas enquanto dirigia e ficava longe de casa (Foto: Paulo Rossi - DP)
Para o caminhoneiro Amauri Santos da Silva, 57, trabalhar para uma empresa quase sempre garante mais segurança financeira ao motorista. Em 39 anos de carreira, ele já atuou como autônomo e empregado, e é categórico ao afirmar que prefere ter a carteira assinada. “Quando a gente é dono do caminhão gasta muito e ainda fica sujeito a ter que quase brigar pelas cargas, o que coloca o preço do frete lá embaixo.” Apesar disso, ele reconhece que muitas empresas de transporte não seguem as leis trabalhistas, daí as histórias de exploração e precariedade de condições de trabalho tão comuns no universo dos caminhoneiros.
Condições de trabalho
Segundo a pesquisa da CNT, grande parte dos entrevistados está na profissão há 18 anos ou mais. A maioria (60,6%) reclama da insegurança na estrada, enquanto 35% consideram a profissão muito desgastante. A Lei dos Caminhoneiros - 13.103/2015 - é conhecida por 88,4% dos participantes do estudo, mas quase 60% desse total não cumpre as regras de descanso, fixadas em 11 horas a cada 12 horas de trabalho. Os caminhoneiros reclamam também das más condições de infraestrutura de apoio das rodovias.
Veículos
A frota brasileira de caminhões tem, em média, 14 anos de estrada. Os veículos mais antigos são os dos profissionais autônomos, com 17 anos de uso. Conforme o presidente da CNT, Clésio Andrade, o órgão defende a implantação do plano de renovação de frota, com incentivo a financiamentos e reciclagem. A proposta está no Plano CNT de Recuperação Econômica, entregue à presidente Dilma Rousseff no final de 2015. Andrade ressalta ainda a necessidade de mais investimentos nas rodovias do país e a criação de pontos de parada adequados e suficientes para o desempenho da profissão.
Entenda a Lei dos Caminhoneiros
Em vigor desde abril de 2015, a Lei dos Caminhoneiros foi criada para regrar a atuação desses profissionais, definindo normas para a atividade. Entre as principais mudanças está a isenção da cobrança de pedágio sobre eixos suspensos e a definição de jornada de trabalho de até 12 horas para os motoristas profissionais, sendo permitidas duas horas extras e mais duas horas, conforme acordo coletivo.
O período de descanso de 11 horas pode ser fracionado, mas todas as horas devem ser tiradas em um mesmo dia e oito devem ser consecutivas. O tempo máximo de direção também foi ampliado, passando para cinco horas e meia. Quem descumprir a lei está sujeito a multa por infração média ou grave, dependendo do número de irregularidades
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